quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Reforma já!

Nunca é tarde para falar de Reforma
O texto a seguir apresenta resumidamente idéias centrais e atitudes de três personagens que sinalizam a emergência de temas que se tornariam centrais no movimento da Reforma. São eles: John Wiclif, John Hus e Hans Böhm. Os dois primeiros geralmente são considerados pela pesquisa como antecedentes intelectuais dos grandes reformadores do século XVI, como Lutero, Zwinglio, Calvino e outros. São provenientes do meio universitário e teólogos de projeção. Hans Böhm tem outra procedência. É pastor de ovelhas, portanto, procede do meio popular. Não conhecemos nenhuma palavra por ele escrita. Seu meio de expressão é a cultura oral e os gestos simbólicos. O acesso as suas idéias depende de relatórios de autoridades da época, isto é, das autoridades policiais que viam nele um herege. Situa-se na tradição dos movimentos de autoflagelo. Seu discurso é indicativo da situação em que vivia o povo na época, indica também para o imaginário religioso popular neste contexto.

a) John Wiclif (João Wycliff)
Nasceu em 1328, numa família da nobreza inglesa. Foi professor de filosofia e teologia na Universidade de Oxford. Num primeiro período atacou o papado com argumentos nacionalistas, condenando principalmente os privilégios da igreja. Defendia a independência do poder civil em relação ao Papa e a nacionalização das propriedades da igreja. Com isto atraiu a simpatia da nobreza inglesa. Processado pelo bispo de Londres teve as sessões do processo interrompido por duas vezes (1377/78) por nobres armados. Depois disto desenvolveu um programa de reforma da igreja, a partir de argumentos fundamentalmente teológicos:
- A Bíblia é o único fundamento da fé;
- Decretos papais e conciliares são obra humana e só têm valor se forem fundamentados na Bíblia;
- A igreja é a comunhão dos predestinados por Deus e Cristo é sua cabeça.
- O primado de Pedro não está fundamentado nas escrituras, por isto o papado é uma usurpação e o papa é o anticristo.
- A hierarquia eclesiástica é contrária à lei de Deus, que só conhece presbíteros e diáconos.
- A ordenação, a extrema unção e vários ritos eclesiásticos não tem fundamento bíblico. O mesmo acontece com as ordens religiosas.
- Condenou a crença nos santos, as relíquias, a confissão auricular, a adoração a imagens, as indulgências, a doutrina do tesouro celestial, etc
- Tradução da vulgata para o inglês
- Instituiu pregadores itinerantes, inspirado em Mt 10 – lolardos
- Em 1381 foi responsabilizado (injustamente, segundo Heussi) pela revolta camponesa que sacudiu a Inglaterra. Com isto perdeu o apoio da Nobreza
- Em relação ao sacramento da Santa Ceia, condenou a crença na transubstanciação. Foi um dos motivos pela perda de sua popularidade.
- Em 1382 foi banido da universidade de Oxford, mas continuou como padre na paróquia de Lutterword
- Faleceu em 1384.
- Foi condenado pelo Concílio de Constança, 1414-18, seus restos mortais foram exumados, queimados e as cinzas lançadas ao Rio Swift.

b) João Huss (John Hus)
Nasceu em 1369 (?), no sul da Boemia, como filho de uma família pobre. Tornou-se professor na Universidade de Praga, por volta de 1400. Depende teologicamente de Wiclif (Este aspecto é questionado por J. Gonzáles, que defende ser o movimento reformador da Boemia o mais forte referencial de sua teologia).
Entrou em conflito com os professores alemães da universidade de Prega. Os Alemães se retiraram e fundaram a universidade de Leipzig, na Aalemanha.
Processado pelo arcebispo de Praga recebeu a proteção do rei Sugismundo (Igreja era proprietária de metade do território da Boemia). Mais tarde o rei retirou sua proteção para não prejudicar o Concílio de Constança. João Hus converteu-se numa espécie de moeda de troca entre o rei Sugismundo e os grupos fiéis ao Vaticano, num contexto de crise institucional da igreja. Teoricamente dar-se-ia maior poder aos cardeais e ao Concílio (conciliarismo), na prática o Vaticano negociava separadamente acordos com os poderes políticos e religiosos regionais. É neste contexto que o rei Sugismundo retirou a proteção a seu súdito e João Hus foi condenado e queimado no dia 06 de julho de 1415.

Conseqüências:
A morte de Hus não significou o fim de sua causa. Seus seguidores dividiram-se em dois grupos:
- Hussitas: moderados, setores sociais médios e altos. Idéia básica: tudo o que contradiz a bíblia deve ser rejeitado. Mantiveram os ritos, vestes litúgicas, etc como na igreja tradicional.
- Taboritas: radicais, setores populares. Idéia básica: tudo o que não está fundamentado na Bíblia deve ser rejeitado.

A proposta dos seguidores de Hus pode ser resumida em quatro reivindicações:
1. Pregar a palavra de Deus livremente em toda a Boemia
2. Devolução do cálice aos leigos – duas espécies
3. Clero deve viver em pobreza
4. Combate à Simonia (At 8.18-24: compra da ordenação sacerdotal; concessão de autoridade eclesiástica a leigos mediante pagamentos, etc; ordenação de clérigos por parte de leigos) e dos grandes pecados públicos.

Resultados
- Os artigos dos hussitas não foram aceitos pela hierarquia da igreja
- O papa e o rei Sugismundo organizaram três cruzadas contra os Boêmios, todas derrotadas
- A região da Boemia se transformou em um campo de guerra entre os anos de 1420 a 1485
- Após 1485 a igreja hussita retornou a comunhão com a igreja católica, sob a condição de comungar sob as duas espécies.
- Os dissidentes formaram a Unitas Fratrum – unidade dos irmãos a partir de 1467: principais características: vida em comunidades, simplicidade, não participação no poder civil, recusa a todo juramento, contra o serviço militar, simplicidade nas formas de culto. As Unitas Fratrum se expandiram rapidamente e foram perseguidos seguidamente. São uma das bases populares do pietismo do século 18, em Herrnhut, 1721.
- Representante mais ilustre: João Amós Comênio, bispo dos Hussitas, considerado o pai da moderna pedagoria. Obra principal: Pedagogia magna.


c) Hans Böhm
Testemunho sobre a pregação do pastor de ovelhas e músico de Niklashausen, Hans (João) Böhm
[1]

Os discursos de Hans Böhm foram pronunciados no início de 1476, na região do Taubertal (Sul da Alemanha), na localidade de Niklashausen. Segundo relatos da época, atraiam “dezenas de milhares” de operários em manufaturas e trabalhadores rurais. Nas peregrinações ao Taubertal, a maioria dos peregrinos não tinha com que se sustentar pelo caminho, mas eles recebiam apoio por onde passavam. A saudação entre eles não era outra a não ser de irmão e irmã. Em suas pregações, Böhm polemizava contra a usura, os juros praticados pelo clero, a corrupção do direito praticado pelos príncipes, a perda do acesso a terras públicas (Allmenderecht), contra o dízimo, os impostos, as indulgências etc. No dia 19 de julho de 1476, Hans Böhm foi queimado por ordem do príncipe e bispo de Würzburg. Segue a tradução de parte de um relatório sobre seus discursos, anotado em 1476:

“Em primeiro lugar ele se atreve a pregar sem trégua ao povo, dizendo o que segue:
Como a Virgem Maria, Mãe de Deus, lhe teria aparecido e lhe revelado a ira de Deus contra a humanidade e principalmente contra o clero. Por isto Deus teria querido dizimar o vinho e os cereais através do frio, na Sexta-Feira da Paixão (Kreuztag), mas ele o teria impedido através da oração.
Que em Taubertal haveria graça perfeita e ainda maior que em Roma ou em qualquer outro lugar.
Que todo aquele que viesse a Taubertal alcançaria a graça perfeita e quando morresse iria direto para o céu.
Também aquele que não conseguisse entrar na igreja, por ser ela pequena, alcançaria a graça.
Para tal empenharia sua honra. E mesmo que uma alma se encontrasse no inferno, pela mão a conduziria para fora.
Como o imperador seria um malvado e o papa uma nulidade.
O imperador autorizaria os príncipes, condes, cavaleiros e empregados, religiosos e seculares, a cobrar, do povo simples impostos e taxas alfandegárias. Ai de vós, seus imbecis.
O clero detém muitas prebendas, isto não deve ser assim. Não deveriam ter mais que o necessário de um dia para o outro. Eles serão abatidos. E o tempo está próximo em que o padre vai querer tapar sua careca com a mão para não ser reconhecido.
Como o peixe na água e a caça no campo deveriam pertencer ao bem comum.
Que os príncipes, seculares e religiosos, também condes e cavaleiros têm muitas posses. Se elas pertencessem às pessoas comuns, assim logo teríamos todos o suficiente. E assim realmente deverá acontecer.
Também ocorrerá que príncipes e senhores trabalharão como diaristas.
Ao papa atribui pouca importância, assim como ao imperador. Se o papa for uma pessoa correta e for encontrado em retidão no fim de sua vida, o mesmo se aplica ao imperador, então irão diretamente ao céu; caso sejam encontrados em maldade, irão diretamente para o inferno. Portanto, desconsidera o purgatório.
Antes intenciona melhorar os judeus que o clero e os eruditos ...
Os padres dizem ser eu um herege e querem me queimar. Se soubessem o que é um herege, saberiam que hereges são eles e não eu. Caso me queimarem, ai deles! Certamente perceberão o que fizeram, e pagarão pelo estrago que fizeram!
Em Holzkirchen alguém do povo se ajoelhou em sua frente. Ele o absolveu e então o enviou ao padre em Niklashuasen. A mãe de Deus estaria querendo ser venerada mais em Niklaushausen que em qualquer outro lugar.
Diz que a excomunhão nada significa e que os padres autorizam o divórcio, o que ninguém pode fazer senão Deus.
[1] Traduzido do alemão conf. edição de MOKROSCH, Reinold; WALZ, Herbert. Kirchen-und Theologiegeschichte in Quellen. Vol. 2: Mittelalter. Neukirchen-Vluyn, 1980, p. 232-233.

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