Para perceber a questão do papel das mulheres no início do cristianismo, estaremos datando os escritos do Novo Testamento da seguinte forma: cartas autênticas de Paulo: I Ts, Gl, Fp, Fl, I e II Co e Rm, alguns autores concordam que são datadas entre os anos de 50-64 d.C.; as Deuteropaulinas de Cl, II Tm, I Pd, Tg e Mc entre os anos 67 a 90 d.C.. As cartas de II Ts, Ef, I Tm, Jd, Hb, Mt, Lc, At são datadas entre 90 a 100 d.C. e, por último as cartas de Tt, as Epístolas Joaninas e Ap datadas entre 100 a 110 d.C.
Ao analisar a carta de I Coríntios nos capítulos 7.1ss (casamento e virgindade), 11.2ss (cabelo das mulheres) e 14.33ss (mulheres caladas na assembleia) com mais intensidade, pode-se concluir que um número considerável de mulheres, pertenceu a comunidade coríntia. No entanto, Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann em sua obra, afirmam que, a grande maioria das mulheres citadas por Paulo, ao que tudo indica, “é não-casada”. Mas há de considerar uma preocupação preconceituosa em relação às mulheres casadas no capítulo 14.33b-35 [1], pois no capítulo 11, quando solteiras, elas têm total liberdade no culto. Por outro lado, (cap.14) a mulher casada deve permanecer calada na assembleia.
Crossan, além de considerar o trecho do capítulo 14 uma inserção, o autor também compreende que a liderança feminina foi “cruelmente denegrida com a finalidade de instituir o controle exclusivamente masculino das assembleias cristãs”. Se por um lado, no capítulo 11.2-16 a mulher (solteira) poderia orar e profetizar, no capítulo 14.33b-35 elas, as casadas, deveriam permanecer caladas. Se tivessem dúvidas, deveriam perguntar ao marido em casa, portanto, uma posição muito preconceituosa em relação às mulheres.
Carlos Mesters advoga que é preciso fazer um equilíbrio entre os quatro textos que tem levantado diferentes opiniões: I Co 11.2-16; I Co 14.34-35; Ef 5.21-24 e I Tm2.9-15 (I Timóteo datado no final do primeiro século) que, para o autor, é “o resumo das palavras de Paulo contrárias à participação da mulher” [2]; com outros textos que enfatizam a participação da mulher na comunidade, como por exemplo, Priscila, Maria, Júnia, Trifena e Trifosa, a “querida Pérsida” (Rm 15.12), Júlia e “sua irmã”, Olímpias entre outras. Mesters considera que “as palavras duras de Paulo, contrárias à participação da mulher, não podem ser interpretadas como um ensinamento geral, válido para todos os tempos e situações”.
Nas cartas paulinas as mulheres são mencionadas várias vezes por Paulo (Rm 16), algumas delas podendo ser identificadas como judias, por exemplo, Priscila, Herodiana e Júnia (Rm16.3,7,11) ou de um modo mais genérico, mas elas estão ali, no meio das comunidades do I Séc.. Essas mulheres são lembradas por Paulo, entre outros, escravos e escravas ou aos demais membros de uma economia doméstica (Rm 16.11). A mulher Apóstolo.
Ser apóstolo, segundo a Epístola aos Romanos, não era difícil, e uma mulher poderia alcançar este status. O Novo Testamento indica somente Júnia, que é judia, considerada sob o título de “apóstolo” (Rm16.7). É verdade que muitos estudiosos interpretam “Júnia” ser “Júnias”, isto é, um homem, pois seu nome é “grafado em grego no acusativo, Junian. Por causa disso, o nome passou a ser identificado como masculino – argumentava-se que Junian era o caso do acusativo do nome masculino Junia (nu)s” [3]. Paulo a considera juntamente com Andrônico seus parentes e companheiros de prisão, como apóstolos exímios que o precederam na fé em Cristo.
Em relação à Júnia, Fiorenza afirma que tanto Andrônico como Júnia, realizam todos os critérios para um verdadeiro apostolado e, eram apóstolos mesmo antes de Paulo [4]. Duncan Alexander Reily afirma que um dos comentários mais antigos que apontam ser Júnia uma mulher, está o de Crisóstomo que, “na sua homilia nº XXXI fala com entusiasmo de Júnia e Andrônico”.
A- As mulheres cooperadoras na missão
Com o conceito de Synergós, companheiro(a) de trabalho, colaborador(a), Paulo cita as pessoas que corroboravam com ele na propagação do evangelho. Tanto é verdade que Priscila e Áquila, além de serem mencionados nas Cartas Paulinas de Coríntios e Romanos, também são mencionados nas Cartas Deutero-Paulinas de II Timóteo e Atos, ou seja, 40 ou 50 anos mais tarde. Priscila ou Prisca foi uma mulher que desempenhou um papel missionário importante do lado de Paulo, juntamente com Áquila, seu marido. Prisca precedeu a Paulo no trabalho missionário, colaborou com ele, mas, sem ficar subordinada [5]. Nas Epístolas há, ainda, menção escassa de outros casais missionários como Filólogo e Júlia, e Nereu e sua irmã (Rm 16.7). Mas, há mulheres, como Febe, que são aludidas sem nenhum homem como: Maria, Trifena, Trifosa e Pérside (Rm 16. 6,12).
Essas mulheres são consideradas por Crossan, como “as mulheres que realizaram uma difícil missão”, pois a expressão grega usada por Paulo para designar atividades apostólicas especiais é kopiao, que tem o significado de “trabalhar com empenho exaustivo”. Nesse sentido, Paulo emprega o termo grego duas vezes para si mesmo em Gl 4.11 e I Co 15.10, e quatro vezes em Romanos exclusivamente para as mulheres: Maria, Trifena, Trifosa e Pérside. Tudo indica que essas mulheres colaboraram exaustivamente com a missão.
B- As mulheres na assembleia
A participação das mulheres na assembleia parece acontecer mais na comunidade de Corinto. Elas do mesmo modo oravam e profetizavam nas reuniões da comunidade (ver o item “o papel das mulheres na Ekklesía de Corinto” com mais profundidade), além da participação na glossolalia e sua interpretação e, no orar ou cantar de salmos (I Cor 14.2,26). Para Stegemann, a participação de mulheres na função de liderança, era também a forma comunitária da Ekklesía, equivalente à economia doméstica antiga. Essa função de liderança, segundo os pesquisadores Stegemann, atingiu seu ápice quando “no séc. III d.C. as comunidades cristãs pararam de reunir-se em casas e começaram a reunir-se na esfera pública, na polis”.
Em Corinto, Paulo discute normas culturais aceitas referentes ao cabelo (11.13-15) e adorno da cabeça da mulher em público (11.5-6), como afirma Elliott, “não porque quer impor seus próprios padrões culturais (judaicos? gregos? romanos?) às mulheres coríntias, mas para estabelecer um princípio que considera basicamente incontroverso”, pois estes costumes trazem honra ou desonra para a “cabeça” social da pessoa.
Este estudo é parte integrante do trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista apresentado por José Geraldo Magalhães Júnior. Todos os direitos reservados.
___________________________Notas:
[1] Este texto é considerado por muitos exegetas uma interpolação, além de ser um texto mais antigo. Por essa razão a mulher deveria permanecer calada na Assembléia, em caso de dúvidas que questionasse seu marido em casa.
[2] MESTERS, Carlos. Paulo Apóstolo um trabalhador que anuncia o Evangelho. São Paulo, SP. Paulus, 11ª Ed. 2008. p.96 a 105. Mesters considera o trecho do capítulo 14.34-35 como autêntico. Por essa razão, o autor leva em consideração que é preciso considerar que Paulo “sofreu críticas por partes das comunidades conservadoras (I Co 11.16 e 14.36-38). Por isso, naqueles quatro textos [I Co 11.2-16; II Co 14.34-35; Ef 5.21-24 e I Tm2.9-15] ele estaria pedindo moderação às mais apressadas”. Mesters quis dizer que o exagero de algumas mulheres poderia colocar em risco o processo de abertura à participação das mulheres dentro da comunidade. p.105.
[3] CROSSAN, John Dominic, 2007. “Em busca de Paulo...” p.114. Para a tristeza dos que defendem essa tese, Crossan defende que há mais de 250 casos na antigüidade do emprego do nome Júnia para as mulheres e, nunca o uso da mesma forma (Júnia) como abreviação para o nome masculino Junianus. “O problema, naturalmente surgiu, por causa da saudação calorosa de Paulo para os dois membros desse casal e, especialmente, para a mulher, Júnia”.
[4] FIORENZA, 1992, “As origens Cristãs a partir da mulher...” p.206. Reily aponta em sua obra: REILY, Duncan A.. Ministérios femininos em perspectiva histórica. 2ª Ed. Campinas, CEBEP; São Bernardo do Campo, EDITEO, 1997. p.37 que “discípulas e discípulos foram designados como membros do movimento de Jesus”. Nesse sentido, é o texto de Atos 9.36: “E havia em Jope uma discípula (mathétria) chamada Tabita...”. O destaque dado a Tabita ou Dorcas sugere que ela exercia real liderança na congregação de Jope.
[5] Ao pesquisar os textos que aparece Prisca e Áquila, constatamos que o nome de Prisca é mencionado sete vezes, juntamente com o marido, das quais quatro vezes é nomeada em primeiro lugar (1 Cor 16.19; Rm 16.2-5; 2 Tm 4.19; At 18.18; 26). Pelas indicações dos trechos, Prisca foi missionária separada e mais conhecida do que Áquila. Parece, inclusive, segundo Atos dos Apóstolos 18.26, que era doutrinada, porque interveio no ensino cristão de Apolo, que é apresentado no segmento como homem culto. Isso evidencia que ela desempenhou um papel importante na comunidade. No discurso de Fiorenza, contrariando essa posição, a autora defende que Prisca é reduzida à “dona de casa de Áquila e conseqüentemente esquecida” FIORENZA, 1992, “As origens Cristãs a partir da mulher...” p.209.
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